O Ecad fechou um acordo com o YouTube segundo o qual o site
deve pagar os direitos autorais de todas as músicas disponibilizadas por meio
dele. Resta aos artistas fazerem valer o que é seu.
Existe um segredo bem guardado que grande parte dos músicos
brasileiros ainda não descobriu. Em setembro de 2010, o Ecad fechou um acordo
com o YouTube e o Google para recolher direitos autorais. Para quem vive em
Júpiter e não sabe do que estou falando, o Ecad é a associação responsável por
cobrar em nome de todos os músicos brasileiros os direitos autorais pela
“execução pública”. Essa atribuição vem da lei. Quando a música toca no rádio,
na televisão, na academia de ginástica, no hotel ou no consultório médico isso
é “execução pública”. Todos têm de pagar mensalmente ao Ecad, que por sua vez
deve distribuir esse valor aos músicos. O conceito de “músicos” é amplo: inclui
intérpretes, letristas, arranjadores, compositores, produtores e assim por
diante. Em outras palavras, se você tocou triângulo em uma música de forró está
incluído no conceito e deve ser remunerado.
Ocorre que hoje em dia o Ecad entende que a “execução
pública” inclui também a internet. Muita gente discorda disso, já que a maioria
dos vídeos do YouTube é consumida dentro de casa e não em um espaço público.
Mas o Ecad conseguiu convencer os advogados do Google do contrário: de que o
site deveria pagar os direitos autorais de todas as músicas disponibilizadas
por meio dele.
Resultado: a partir de novembro de 2010 um bom dinheiro
adicional passou a entrar nos cofres do Ecad em nome de toda e qualquer pessoa
que posta um vídeo musical no YouTube. A notícia do acordo (divulgada de forma
bastante discreta) diz que ele abrange “todo o repertório musical que estiver
disponível na plataforma do YouTube” (veja em bit.ly/f1FFbw). Como se isso não
bastasse, o Google comprometeu-se a pagar valores retroativos desde 2001! Ou
seja, uma dinheirama.
Com isso, o Google faz a sua parte: paga aos músicos os
valores devidos. A questão é se o Ecad vai pagar todos os que têm direito a
receber. Na prática, se você colocou uma música que tem qualquer participação
sua no YouTube, tem direito a receber – mesmo que não seja associado ao Ecad ou
às associações que o constituem. Afinal, sua parte já está sendo cobrada por
você.
HIT DE VERÃO
Como muita gente sabe, a maioria dos novos sucessos musicais
do Brasil vem da internet, especialmente do YouTube. Por exemplo, o grande hit
do verão foi a divertida música “Minha mulher não deixa não” (bit.ly/dYpGxs),
que acabou regravada por inúmeros artistas, dos Aviões do Forró à Banda Djavú.
Em contagem rápida, gerou mais de 40 milhões de visualizações. É um número
maior do que a audiência de muitas rádios ou TVs. Será que todos receberam a
sua parte? E o compositor da música?
A pergunta vale para todo mundo. Para o MC Papo, de Belo
Horizonte, um dos meus artistas favoritos, autor do hit “Piriguete”, com 11
milhões de visualizações (http://bit.ly/4Fz1q). Para os funkeiros de todo o
Brasil que estão no YouTube, como Mr. Catra, do Rio, que só com a música
“Adultério” (bit.ly/2PRqvR) alcançou 7 milhões de visualizações. Para as bandas
e os artistas novos espalhados pelo país, que tocam do indie rock ao maracatu.
Para não mencionar também DJs, autores de remixes ou trilhas sonoras. Quem
tiver músicas no YouTube deve receber. Afinal, são valores que já estão sendo
cobrados e pagos.
Acredito que existe aqui uma oportunidade muito importante.
Se o sistema de distribuição funcionar, remunerando dos grandes aos pequenos,
isso fortalecerá uma rede criativa extraordinária que se espalha por todo o
Brasil. Resta a artistas, profissionais e amadores união para fazer valer o que
é seu.
RONALDO LEMOS, 34, é diretor do Centro de Tecnologia da
FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu email é rlemos@trip.com.br
* * *
Leia abaixo: o Ecad presta esclarecimentos
"Em resposta ao texto de autoria do senhor Ronaldo
Lemos, publicado na edição de número 197 da revista Trip, de março de 2011, o
Ecad presta os seguintes esclarecimentos:
É de bom tom que as informações sobre o trabalho do Ecad
sejam corretamente apuradas para evitar que se publiquem dados que não condizem
com a realidade. Uma estratégia para fazer muito barulho com o claro intuito de
prejudicar a imagem do Ecad perante o público.
Em primeiro lugar, não é o Ecad que entende que existe
execução pública na internet, mas a própria lei de direitos autorais prevê que
o pagamento é devido: 'Considera-se execução pública a utilização de
composições musicais ou líteromusicais, mediante a participação de artistas,
remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em
locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a
radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição
cinematográfica'. Nesse sentido, está previsto que 'a transmissão por qualquer
modalidade' abrange a execução no ambiente de internet. Importante esclarecer
que o Google não foi convencido pelos advogados do Ecad e, sim, pelo que diz a
lei brasileira, considerada uma das mais modernas do mundo, reconhecendo que o
pagamento dos direitos autorais de execução pública musical era devido.
Não existe nem nunca existiu 'nenhum segredo bem guardado',
como afirma o senhor Ronaldo Lemos, em referência ao fechamento do acordo entre
o Ecad e o Google para pagamento dos direitos autorais das músicas exibidas no
canal de vídeos. Em novembro de 2010, o Ecad divulgou um comunicado aos
titulares filiados às 9 associações de música que o compõem, em que fala sobre
a criação da distribuição específica de Mídias Digitais e a realização da
primeira distribuição das músicas executadas até junho de 2010 neste segmento,
bem como a periodicidade com que essa distribuição ocorrerá. Como o contrato
com o Google foi assinado em julho de 2010 e ainda existia a necessidade de
desenvolvimento de um processo tecnológico para a troca com o Ecad das
informações sobre as músicas executadas nos seus vídeos, os primeiros
pagamentos realizados não foram contemplados nesta distribuição, até porque
existe uma periodicidade definida para este tipo de repasse. A primeira
distribuição proveniente da execução de músicas nos vídeos do Youtube será
realizada em junho de 2011 e acontecerá, provavelmente, através de uma
distribuição à parte, específica, após checagem e validação pelo Ecad das
informações digitalmente enviadas pelo Google, antes que o repasse dos valores
seja feito aos artistas contemplados.
O contrato com o Google prevê o pagamento retroativo a 2007,
início das atividades do Google no Brasil, e não a 2001, como foi afirmado
equivocadamente no texto em questão. O pagamento refere-se somente aos acessos
feitos ao Youtube no Brasil, e não aos feitos no exterior. Além disso, só serão
pagos os direitos das músicas protegidas pela licença do Ecad, ou seja, apenas
os artistas filiados às nove associações de música que compõem o Ecad poderão
se habilitar a receber esses direitos autorais, desde que mantenham seus
repertórios musicais atualizados nas associações às quais são filiados.
Também está errada a informação de que o Google pagará uma
'dinheirama' de direitos autorais. Apesar de ser uma empresa milionária, o
serviço do Youtube no Brasil ainda não gera uma receita expressiva, segundo
informações do próprio Google. Como o valor de direitos autorais a ser pago é
baseado num percentual sobre a receita, conforme determina a tabela de preços
do Ecad, o valor a distribuir guardará direta correlação com a receita
declarada. Infelizmente, a arrecadação de Mídias Digitais no Brasil, apesar de
crescente, resultado do trabalho constante do Ecad em conscientizar os usuários
de música do segmento de internet, ainda não é representativa, equivalendo
somente a 1% da arrecadação total do Ecad.
Feita a distribuição, os diversos titulares de direitos
contemplados serão devidamente informados sobre todos os detalhes pertinentes,
tal qual é feito constantemente por suas associações e pelo Ecad.
Para finalizar, e respondendo ao senhor Ronaldo Lemos, que
duvida se o Ecad vai pagar a todos que têm direito a receber, afirmamos que os
compositores e artistas vão receber sim, desde que estejam enquadrados nas
regras acima descritas.
Os resultados do desempenho do Ecad, por si só, respondem a
essa dúvida. Na última década a distribuição de direitos autorais deu um salto
de 200%. Em 2010, foram distribuídos R$ 346,5 milhões para 87.500 titulares de
música (entre compositores, intérpretes, músicos, editoras e gravadoras),
levando-se em consideração todos os segmentos onde a música é executada
publicamente. Tudo isso apesar dos movimentos daqueles que defendem interesses
alienígenas e se opõem ao pagamento dos direitos autorais, desrespeitando
assim, um direito conquistado, com muito esforço, pela classe artística
musical, responsável por uma das cadeias produtivas mais importantes economia
brasileira."
Gloria Braga
Superintendente Executiva do Ecad
***
Tréplica: resposta de Ronaldo Lemos à Superintendente do
Ecad, Glória Braga
A resposta publicada por Gloria Braga, superintendente do
Ecad, ao meu artigo traz uma série de informações incorretas e uma vez mais
foge dos assuntos que são do interesse de todos os artistas brasileiros. É
lamentável que um órgão como o Ecad, que é do interesse de tantas pessoas,
tanto aquelas que pagam direitos autorais como aquelas que dependem dele para
recebê-los, não explique de forma clara e precisa o seu funcionamento e
mecanismos de distribuição.
A superintendente afirma que não existe "nenhum segredo
bem guardado" e que o ECAD teria divulgado amplamente o acordo realizado
com o Google, bem como os detalhes sobre essa nova modalidade de arrecadação e
distribução. Se isso é correto, como é possível que grande parte dos artistas
nada sabiam sobre o tema? E ainda mais grave, passados meses, onde estão os
eventuais novos comunicados do Ecad a respeito da distribuição dos valores, com
detalhes? A superintendente afirma que a primeira distribuição de valores
aconteceria em junho de 2011. Essa distribuição aconteceu? Se aconteceu, quanto
foi distribuído? E quais artistas receberam e de acordo com quais critérios?
São informações que não se encontram facilmente disponíveis. Se existem, estão
muito bem guardadas.
A superintendente afirma que o recolhimento de valores do
Youtube seria feitos retroativamente a partir de 2007, e não de 2001. Ocorre
que o erro de divulgação da data é do próprio Ecad. A data de 2001 consta do
comunicado distribuído pelo próprio órgão, que foi republicado em diversos
sites na internet. Esse comunicado está disponível online e pode ser verificado
aqui: http://bit.ly/btcuaq. Por conta disso, trata-se de erro do próprio Ecad.
Por fim, o maior dos problemas. A superintendente diz que
irá pagar direitos autorais relativos ao recolhimento de músicas executadas
através do Youtube apenas para os membros afiliados ao Ecad. Ocorre que, como
explicitado em meu texto, grande parte dos artistas mais acessados do Youtube
são artistas populares, que em grande parte dos casos não são filiados ao Ecad.
Com isso, o Ecad está recolhendo a parcela dos direitos autorais que compete a
esses artistas e mantendo-a para si. Em vez de insistir em reafirmar essa
infeliz conduta, como faz a superintentende, o Ecad deveria investir na criação
de mecanismos para desburocratizar os pagamentos a esses novos artistas
superpopulares brasileiros, e também dos artistas tradicionais já regularmente
afiliados a ele. Todos merecem formas mais simples e transparentes para
receberem seus direitos. Se investisse em desburocratização e transparência o
Ecad estaria trabalhando de acordo com os interesses de todos os artistas,
justificando assim sua razão de existir. Ao deixar de fazer isso, está
trabalhando em causa própria apenas.
Além de tudo, a superintendente afirma que serviços de
streaming estão sujeitos obrigatoriamente ao pagamento do Ecad. Apesar do Ecad
ter convencido o Google disso, o entendimento sobre como a lei deve ser
interpretada sobre esses serviços é ainda incerto. Tanto é assim que existem
questionamentos judiciais sobre a cobrança do Ecad com relação a esses
serviços. Esse assunto, de vital interesse para seus artistas afiliados, é
omitido, como de praxe, pela superintendente.
Por fim, vale lembrar que o Ecad está sendo objeto de duas CPIs
e diversas fraudes estão sendo investigadas. A reforma da lei de direitos
autorais é uma oportunidade importante para trazer o Ecad de volta ao seu papel
de apoiar os artistas do Brasil, no seu mais amplo espectro, bem como assegurar
transparência do órgão perante a sociedade brasileira. Como diz a famosa frase
do juiz Louis Brandeis: "a luz do Sol é o melhor desinfetante". Maior
transparência só servirá para fortalecer o Ecad e restaurar os valores que
levaram à sua criação.
(Alex Gross/ www.alexgross.com)
Rosana Simpson
www.kwanza.com.br
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