quarta-feira, 25 de maio de 2011

FUNDARPE PROMETE PAGAR CREDORES

Débitos que fazem aniversário

Em nova gestão, Fundarpe se compromete a pagar a todos os credores até o fim deste mês

Por Carolina Santos

carolinasantos.pe@dabr.com.br 

Casarão da Aurora abriga Secretaria de Cultura e Fundarpe. Foto: Lais Telles/Esp. DP/D.A Press

"Muito obrigada por sua paciência, Alessandra". A frase de despedida se repete há mais de dois anos toda vez que a cantora Alessandra Leão liga para a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) em busca de informações sobre dois cachês que o órgão lhe deve. Desde 2009, as dívidas da Fundarpe se tornaram anedóticas: elas completam aniversário. Alessandra é credora em dois projetos. O primeiro, um disco em homenagem ao artista popular Biu Roque, está com dois anos e um mês; o segundo, de avaliação dos projetos do edital do Festival de Inverno de Garanhuns (FIG), completou um ano. "Biu Roque morreu e não viu o disco pronto, enquanto artistas de fora recebem cachês exorbitantes. É um discurso muito truncado do governo, quais as prioridades dessa tal Nação Cultural?", questiona a cantora.
Histórias como a dela se repetem em todas as áreas. Em outubro de 2009 a poetisa Clara Angélica foi convidada para levar seu projeto Livros andantes para a Bienal do Livro de Pernambuco. O custo era de R$ 60 mil. A Fundarpe deu um adiantamento da maior parte do dinheiro, mas ficou de pagar em 15 dias os R$ 5,1 mil que seriam para os cachês dos agentes literários de Amaraji, cidade que sedia o projeto. Até hoje o dinheiro não foi pago. "No ano passado entreguei toda a documentação, inclusive com o relatório fotográfico do evento. Não obtive resposta. Os agentes ligam, cobram, querem receber o dinheiro deles", lamenta Jô Conceição, produtora do projeto. Na semana passada, veio uma esperança. "Estive lá na Fundarpe e disseram que até o fim do mês devo receber o resto do pagamento. Foi a primeira vez que deram uma data certa", conta Jô.
O prazo que ela recebeu é o que a nova gestão da Fundarpe, que assumiu em meados de fevereiro, estabeleceu para quitar todas as dívidas da administração passada. De acordo com o órgão, nos últimos meses cerca de 300 credores já receberam o dinheiro que o órgão público lhes deve. "Falta pagar 298 credores, o que representa, em dinheiro, cerca de 50% da dívida de R$ 18 milhões da Fundarpe", explica a diretora de gestão, Sandra Simone Santos. Para quitar as dívidas, uma força-tarefa formada por quatro funcionários se dedica exclusivamente às burocracias dos processos de pagamento.

Severino Pessoa,é presidente da Fundarpe
O novo presidente do órgão, Severino Pessoa, afirma que a Fundarpe trabalha agora para implantar um prazo de pagamento entre 15 e 45 dias. "Os artistas que trabalharam no festival Nação Cultural na Mata Norte, ocorrido em abril, já estão sendo pagos", garante o secretário, lembrando que as exigências para pagamento são as mesmas da gestão passada. Ou seja, muita burocracia. "São exigências legais, já que somos uma instituição pública", esclarece o presidente. "Até 2006 a Fundarpe executava um orçamento abaixo de R$ 30 milhões. Na gestão Eduardo Campos esse número quadriplicou: no ano passado o orçamento foi de R$ 120 milhões, incluindo a dívida. É um volume muito grande em pouco tempo. É comum, na esfera pública, que dívidas de um ano sejam pagas no outro. O dinheiro estava garantido, o atraso ocorreu por uma questão operacional", justifica Pessoa.

Em novembro do ano passado, a Fundarpe divulgou que a dívida com artistas e produtores era de R$ 3.258.700,32. Quando a nova equipe assumiu, fez um levantamento e chegou ao valor superior aos R$ 18 milhões. Para pagar a dívida da Fundarpe, o governo do estado transferiu mais de R$ 15 milhões para o órgão. O dinheiro restante já estava no caixa. Apesar de evitar comparações em relação à gestão anterior, Severino Pessoa afirma que, de agora em diante, as dívidas serão pagas no prazo, sem direito a aniversário. "Quem vem depois tem a vantagem de adquirir a experiência da gestão anterior", pondera.


Reforma de funções

A nova configuração da Fundarpe e da Secretaria de Cultura é o principal indício de que o problema dos pagamentos de cachês será realmente resolvido. Se antes a Fundarpe concentrava praticamente todas as ações da política cultural do estado, agora fica só com a execução. Reformulada, a Secretaria de Cultura funciona planejando as ações, com diretorias específicas para cada setor da cultura. Tanto a Fundarpe quanto a Secretaria funcionam no mesmo casarão na Rua da Aurora, o que favorece o diálogo entre os integrantes das instituições. As reformas ainda estão sendo feitas para abrigar os funcionários das duas instituições, como um novo sistema de ar-condicionado, ao custo de R$ 300 mil.

O organograma da Secretaria de Cultura mudou, com a criação de novas diretorias e coordenadorias. Entre elas está a de Políticas Culturais, comandada por Carlos Carvalho, que tem como objetivo implementar, por meio das coordenadorias, a formulação, discussão e articulação das políticas culturais do estado, além de dar orientação e apoio às diversas linguagens culturais. São nove coordenadorias: artesanato, audiovisual, artes plásticas, música, moda, literatura, fotografia, arte popular e artes cênicas.

Na Fundarpe, houve a criação da Diretoria de Produção, que fica responsável por acompanhar eventos como feiras, festivais e outras ações desenvolvidas pela Secretaria de Cultura/Fundarpe.
Clique aqui e baixe o organograma das instituições.



"Pretendo investir na agilização dos editais" . Foto: Ricardo Fernandes/DP/D.A Press

Entrevista >> Fernando Duarte

Arte e política na cabeça

Secretário de Cultura, o artista plástico Fernando Duarte, quer usar a burocracia em favor das ações democratizadas no setor

O engenheiro e artista plástico Fernando Duarte, 52 anos, filiado ao PT, está no cargo de Secretário de Cultura do estado desde janeiro de 2011. Nesta entrevista, a primeira concedida à imprensa ocupando o gabinete de secretário (instalado no primeiro andar do prédio da Fundarpe), Duarte comenta sobre suas ações iniciais junto ao novo órgão - efeito político da controversa despedida da ex-presidente da Fundação, Luciana Azevedo.

Militante do movimento estudantil; ex-funcionário do Banco do Brasil e integrante do movimento sindical nos anos 1980, o secretário, segundo autodefinição, não é "um neófito na questão da estrutura do estado": foi presidente da Fundação de Cultura da Cidade do Recife (durante gestão João Paulo), e atuou como assessor executivo da atual secretaria municipal de Cultura.

"Estou o todo tempo pensando sobre políticas públicas para cultura, promovendo debates e levando toda essa experiência anterior. Sou um militante político e um militante das artes. Todas as minhas habilidades (tudo o que eu fiz até hoje) estão sendo empregadas aqui e minha experiência burocrática me ajuda a pensar que os processos administrativos têm que estar a favor: a burocracia não é contra a cultura", avalia.

"Quando se trata de dinheiro público temos que ter o cuidado da prestação de contas e de
ser extremamente democráticos"

Fernando Duarte,
Secretário de Cultura
do estado de Pernambuco
Na sua visão, qual o papel do estado em relação à Cultura?
Em um estado que é hegemônico na cultura como é Pernambuco, é evidente que o estado (como um todo) é fundamental enquanto complemento, ou suporte, para formação de público; na formação profissional; assim como na construção de uma estrutura para o campo. São coisas que estamos construindo. O governo do estado, especificamente, tem uma importância maior ainda no processo. Por exemplo, temos os três ciclos muito fortes (um carnaval consolidado; um São João que acontece em todos os 185 municípios; assim como o Natal, com seus pastoris, bois, presépios.), enfim, somos um estado importantíssimo na música, nas artes plásticas, na literatura e particularmente, não concebo a cultura acontecendo fora do território: o território é fundamental para a função cultural, principalmente para a grande característica de nossa cultura que são os acontecimentos presenciais (como é a música, a dança e as manifestações populares).

É possível diminuir a burocracia dos editais?
Pretendo investir bastante na agilização das seleções e na possibilidade de capacitação em todo o estado. O edital é uma forma de você fazer as coisas acontecerem, mas quando se trata de dinheiro público temos que ter o cuidado da prestação de contas e o cuidado de ser extremamente democráticos (possibilitando que todas as pessoas tenham acesso aos editais). É verdade que eles não precisam ser complicados e podem ser mais simples (em seus critérios, suas comissões, seus julgamentos), ainda que não dê para simplificar nas prestações de contas (naquilo que a legislação exige). Então, o que eu penso que pode funcionar como uma contrapartida? A formação dos produtores e agentes culturais. Até pouco tempo, a cultura era feita no balcão: não precisava de edital. Mesmo assim, apesar de ser uma coisa nova, hoje já há produtores gabaritados, que fazem um projeto num piscar de olhos. É uma questão de tempo, é como dominar as regras de um jogo, que parecem difíceis no começo, mas depois vira rotina.

Como se deu a criação da Secretaria de Cultura? Como foi distribuição de papéis com a Fundarpe (anteriormente subordinada à Secretaria de Educação)?
O governador Eduardo Campos deu status de secretaria à cultura. Já existia a Fundarpe, fazendo um grande trabalho com Luciana Azevedo e equipe, e existia uma Secretaria Especial de Cultura, com seus papéis mais simplificados. Quando o governador cria a Secretaria de Cultura ele aponta claramente para uma visão estratégica de ampliação do papel da cultura. Na criação em si, na concepção que estamos levando, pensei no papel da Fundarpe como a grande executora da política (um organismo vinculado à Secretaria de Cultura, com um papel executivo muito forte - com um setor de produção, um setor de gestão, com um setor de equipamentos). O Funcultura e o setor de preservação, por definição da Fundarpe, permanecem como suas atribuições. Não tinha muito sentido eu tirar o patrimônio: é algo que está nome da própria Fundarpe e seria necessário modificar algumas leis. Todas as outras partes de elaboração estão na secretaria. Criamos uma ideia de que não há uma separação. Temos uma secretaria que elabora, planeja, faz propostas para as políticas culturais e para formação. A estrutura não é ainda ideal. Precisaremos ampliá-la, dado a importância da extensão das políticas que já vinham sendo realizadas. Isso implica o estudo da possibilidade de concursos públicos (para se ter um quadro vinculado à própria secretaria). De uma maneira geral ainda precisamos de mais pessoas, já que se trata de um número pequeno (hoje são 70 comissionados). Algo que está em estudo e faz parte do plano a ser pactuado. O desafio é grande. De montar, estruturar, pegar o que já vinha sendo feito e fazer com que isso se amplie, se consolide, se regionalize, que a gente atenda ao tradicional e à vanguarda, que a gente continue atendendo aos instrumentos de democracia: os editais, as reuniões de conselhos.

Um dos pontos mais criticados na gestão anterior da Fundarpe foi a falta de um olhar curatorial autônomo para cada equipamento. Haverá uma transformação neste sentido?
Alguns equipamentos que têm uma vocação para ser um centro para certas manifestações, como é o caso da Torre Malakoff (espaço para a fotografia e música, por exemplo). Outros são mais específicos, como os museus e cinemas. A intenção é expandir a ideia das curadorias, dos conselhos, fazer com isso tenha um bom funcionamento. Outra ideias é investir em centros destinados a múltiplas linguagens.

Na gestão anterior, não houve um desequilíbrio em relação ao que foi investido em eventos sazonais e o que foi investido na estrutura dos equipamentos?
A intenção é termos todos os equipamentos abertos, equipados e com condições de funcionamento. Isso não é nada gigantesco, mas básico. Mesmo que pequeno, o gestor poderá contar com um orçamento para oficinas e exposições, por exemplo.


Figura discreta

Fernando Duarte é uma figura discreta. Nos mais de quatro meses enquanto secretário, pouco se pronunciou em público e não rebateu nenhuma crítica à antiga gestão da Fundarpe. Segundo o secretário, o motivo da discrição pode ser lida em um plano de ação (já finalizado) que apresentaria no mês passado ao governador do estado, não fosse o atraso de agendas em função das chuvas. No plano, estão detalhados o orçamento para cada setor e linguagem abrigados pelo novo órgão. De acordo com o secretário, o conteúdo deve se tornar público nos próximos dias, após aprovação final de Eduardo Campos.
"Não vou falar do que eu não vou fazer, já que isso só posso fazer quando tudo estiver compactuado com o governo como um todo. Estamos em pleno processo de um sistema de produção de cultura, buscando que este sistema tenha um orçamento garantido para cada ente; uma estrutura (de equipamentos - o que supõe um orçamento e recursos humanos que faça a coisa funcionar); e por último uma política definida. É fundamental que você tenha ideias, formas políticas que definam o que é estratégico. O quanto vou fazer vai depender da pactuação com o governo", pondera Duarte.
Não obstante a discrição do secretário, alguns pontos do plano já circulam nos corredores da secretaria. O projeto Nação Cultural, por exemplo, deve ser levado às escolas e os alunos estimulados a produzir conteúdo para o portal do projeto; os festivais serão mais descentralizados (o Festival de Inverno de Garanhuns, por exemplo, ganhará ações e atrações em cidades vizinhas); outro investimento dado como certo é que alguns equipamentos do interior como Cinetetaro Polytheama, em Goiana, e o Cineteatro Guarany, em Triunfo, ganharão programação para todo o ano; além disso, as ações da secretaria se aproximarão das linhas do programa social Pacto pela Vida.

Na esteira das novas ações, Duarte antecipa um "plano de conservação e preservação de todos os equipamentos". Sobre os pagamentos pendentes e dívidas assumidas por Luciana Azevedo, Duarte reafirma a posição da atual presidência da Fundarpe: "Questões pontuais, como empenhos cancelados, estão sendo providenciadas ao longo do tempo".

Rosana Simpson

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